Normalmente quando somos iniciantes na prática da meditação, é comum sermos aconselhados levar a nossa atenção à respiração. E porquê à respiração?
A respiração, em si, abrange uma ampla gama de energias no corpo. Mas a mais facilmente identificável, aquela que sobressai, é a energia da inspiração e expiração. A nossa ideia, por norma, desta respiração é vê-la essencialmente como o ar que entra e sai dos pulmões. Mas a verdade é que há muito mais coisas envolvidas no processo da respiração. Esse ar que inspiramos e expiramos simplesmente não se moveria se não fosse por uma energia que temos no nosso corpo que ativa os músculos que puxam esse ar para dentro de nós e que depois permitem que ele saia.
Quando meditamos na inspiração e na expiração, de facto começamos por prestar atenção ao movimento do ar, à forma como a nossa barriga expande e contrai, ao subir e descer dos nossos ombros, à temperatura que sentimos do ar a passar no nosso nariz, etc., mas à medida que a nossa sensibilidade se vai desenvolvendo, é na energia da respiração que acabamos por nos concentrar.
O PORQUÊ DA RESPIRAÇÃO
A razão pela qual a respiração é escolhida como tema de meditação é porque é uma boa forma de desenvolver as qualidades da concentração, nomeadamente o estado de alerta, a atenção plena (Mindfulness) e a consciência introspetiva.
O ESTADO DE ALERTA
A única respiração que podemos observar é a respiração do momento presente. Quando a nossa mente está com a respiração, a nossa atenção tem que obrigatoriamente estar no presente. Só no presente é que podemos observar o que está a acontecer no corpo e na mente enquanto efetivamente algo está a acontecer. Para além disso, a respiração acompanha-nos sempre. Enquanto existirmos, respiramos. Portanto, meditar na respiração é algo que podemos fazer em qualquer situação, em qualquer momento.
A ATENÇÃO PLENA (MINDFULNESS)
A meditação na respiração desenvolve esta qualidade da atenção plena, porque a respiração está muito próxima da nossa consciência, ou seja, é algo que é fácil lembrar. Se durante a meditação nos “esquecermos” de ficar com a respiração (o que acontece várias vezes, porque a mente de vez em quando dispersa, vai sozinha fazer listas de compras, planear que antes de ir tratar da roupa é preciso mudar primeiro os lençóis da cama, e por falar em cama, é preciso trocar o edredão porque já está muito calor, 🙂 e por aí fora), a simples sensação de uma inspiração pode lembrar-nos de voltar à respiração.
A CONSCIÊNCIA INTROSPETIVA
A respiração é um dos poucos processos no corpo sobre os quais podemos exercer algum controlo consciente. E uma parte que pode ser interessante na meditação da respiração é aprender a fazer um uso proveitoso disso mesmo. Nós podemos aprender quais são as formas de respiração que promovem sensações agradáveis no corpo e quais são as que promovem sensações desagradáveis. Podemos aprender quando e como mudar a respiração para a tornar mais confortável. E isto é uma sensibilidade que se ganha. Ela surge de forma natural à medida que vamos praticando, e à medida que observamos os efeitos de diferentes tipos de respiração no nosso corpo e na nossa mente. E isto leva-nos ao verdadeiro intuito da prática da meditação, treinar a mente.
A RESPIRAÇÃO E A MENTE
A respiração é o lugar perfeito para observar a mente. Tornarmo-nos mais sensíveis à respiração, faz com que consigamos observar que mudanças subtis na respiração são frequentemente acompanhadas por mudanças subtis na mente. E isto pode alertar-nos para determinados desenvolvimentos na mente precisamente no momento em que eles estão a começar a acontecer.
MOLDAR A EXPERIÊNCIA DO PRESENTE
Trabalhar com a respiração mostra-nos até que ponto é possível nós moldarmos a nossa experiência do presente. O termo budista para este ato de moldar é “produção” – no sentido de fabricar/produzir/construir – e de acordo com os ensinamentos budistas, esta produção existe de 3 formas:
– a primeira forma é a produção corporal. A produção da nossa forma de sentir no corpo através da inspiração e da expiração. Porquê? Porque a forma como nós respiramos influência diretamente o nosso corpo, como os nossos batimentos cardíacos, por exemplo.
– a segunda, é a produção verbal. É o direcionarmos os nossos pensamentos para alguma coisa e avaliarmos isso mesmo. Estes dois processos de pensamento em que direcionamos e avaliamos, são a base da nossa conversa interna. Ou seja, nós trazemos à nossa mente temas para pensar e depois basicamente fazemos comentários sobre eles.
-a terceira forma de produção é a produção mental, que consiste em percepções e em sentimentos. As percepções são, no fundo, os conceitos que colocamos nas coisas, as palavras pelas quais nós chamamos essas coisas, ou as imagens que a nossa mente associa a elas. Os sentimentos, por sua vez, são aquilo que nós sentimos.
Estas três formas de produção moldam TODAS as nossas experiências. Por exemplo: a primeira vez na vida que tive contacto com uma abelha. Achei piada à abelha, um inseto interessante, um som diferente, uma forma de voar engraçada e decidi meter-me com ela e tocar-lhe, e ela picou-me. Picou-me, doeu, ficou inchado, fiz reação… e, portanto, registei esta experiência como desagradável, má. Passado uns tempos eu cruzo-me com uma abelha. O que é que a minha mente vai fazer? Vai lembrar-me da minha experiência difícil que tive com a primeira abelha que eu vi, e isto vai condicionar toda a nova experiência daqui para a frente. E isto é perceção, isto é produção mental. Eu penso logo nas possíveis picadas que aquela abelha me pode dar, na dor que vou sentir, e por aí fora, ou seja, a partir daqui estou a entrar na produção verbal. E como resultado da minha preocupação, a minha respiração fica mais intensa, o meu coração começa a bater mais depressa,… e acabo no que chamamos de produção corporal.
Mas nós podemos inverter a situação. Como assim? Nós podemos usar o poder da produção para alterar a nossa realidade. Assim que vemos a abelha, nós podemos parar para respirar fundo e relaxar, mantermo-nos calmos. (produção corporal). Já calmos, podemo-nos lembrar qual é o papel da abelha, o que ela faz no mundo, o que é que ela procura, qual é a sua função (produção mental). E por fim, podemos procurar formas de lidar da melhor forma com a abelha que estamos a ver (produção verbal).
O PODER DA PRODUÇÃO CORPORAL, VERBAL E MENTAL
Estas três formas de produção moldam não apenas as nossas experiências externas, como também, e principalmente, os processos internos, aqueles que moldam a nossa mente. E muitas vezes acabamos por criar sofrimento, principalmente o derivado do stress, porque não paramos para analisar e prestar atenção aos nossos processos de produção corporal, verbal e mental que moldam e condicionam as nossas ações.
Então trabalhar com a respiração é uma ótima forma de trazer todas as nossas produções à luz da consciência. Porque quando trabalhamos com a respiração, nós reunimos todos estes três tipos de produção:
– nós observamos a respiração e fazemos os devidos ajustes;
– nós pensamos na respiração e avaliamos a respiração;
– e nós usamos as percepções da respiração para nos mantermos com a respiração e avaliarmos os sentimentos que surgem quando trabalhamos com a respiração.
Isto permite precisamente que sejamos mais sensíveis às formas de produção que estão a ocorrer no momento presente. E ao nos envolvermos conscientemente nessa produção, nós podemos mudar o rumo, a direção da nossa mente, e, automaticamente, a nossa realidade externa. É assim que a nossa mente se torna LIVRE. Livre para produzir a melhor realidade face ao que estou a vivenciar em determinada situação. Porque o único momento em que posso atuar, é no momento presente.
Concluindo, a respiração é uma forma ótima e pode até mesmo ser a ideal para treinar a mente a experimentar a felicidade por si mesma.